Que outro mundo possível?

fsm Seminário de balanço e perspectivas sobre o espaço debateu em Porto Alegre as alternativas ao modelo de desenvolvimento em crise.

Desde sua primeira edição, em 2001, o Fórum Social Mundial (FSM) tem recebido reiteradas críticas por ficar restrito a discussões e não resultar em ações políticas, embora se reconheça a importância que teve e ainda tem para a formação de articulações e redes internacionais.

Esse foi, inclusive, o principal debate da mesa de abertura do seminário “FSM dez anos depois: desafios e propostas para um outro mundo possível”, um dos principais eventos do FSM 2010 – que teve atividades em todo o mundo –, realizado entre 25 e 29 de janeiro em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

De um lado, os que defendiam a manutenção do caráter de aglutinador de ideias, atores e propostas do FSM. De outro, aqueles que propunham que o espaço deve dar um passo a frente no que se refere a ações concretas.

No entanto, um aspecto é quase unânime: nestas dez edições de Fórum Social Mundial, a postura dos seus participantes evoluiu de praticamente apenas se opor ao neoliberalismo vigente para também propor alternativas mais elaboradas a este modelo. Assim, o seminário “FSM dez anos depois” serviu, além de espaço de balanço do evento nesta década, também como centro de debates sobre perspectivas e propostas diante da crise do capitalismo.

O que propor?

Nesse sentido, a discussão, grosso modo, se resumiu a um questionamento preponderante: frente à crise do neoliberalismo e do poder político e econômico estadunidense, o que fazer? O que queremos pôr no lugar e como construir uma nova hegemonia?

Durante a mesa “Novo Ordenamento Mundial”, realizada no dia 28, Antonio Martins, do ATTAC (Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos) de São Paulo, afirmou que a configuração de uma nova ordem pode se converter em processo de transferência de hegemonia, mas, para isso, “temos que considerar as potencialidades deste momento e superar alguns déficits. Entre eles, estão o déficit da comunicação e o déficit da formulação”.

O italiano Giampiero Rasimelli, do Observatório Euro-Latino-Americano de Democracia e Desenvolvimento Social (Euralat), defendeu, na mesa “Organização do Estado e do Poder Político”, também do dia 28, a criação de um governo mundial, que funcionasse sustentado em instituições internacionais. Segundo ele, para essa proposta funcionar, é preciso “mais regionalismo”, a nível continental ou sub-continental: “O governo mundial deve ser o representante das diversas partes do planeta, mas com uma atuação diferente do que estamos acostumados”.

Novo socialismo”

Já os integrantes da mesa “Como Construir uma Hegemonia”, realizada no mesmo dia, avaliaram que um novo socialismo está sendo desenhado pelos movimentos sociais e os governos gerados por eles no continente latino-americano nos últimos anos. Para a peruana Virginia Vargas, da Articulación Feminista Marcosur, o chamado socialismo do século 21 traz um novo horizonte de poder, onde não há divisão entre governantes e governados. “A proposta não é substituir uma hegemonia por outra. É inventar relações não hierarquizadas, que também estão nas relações pessoais e nas relações entre as organizações”, disse. Essa dinâmica, defende ela, leva à formação de um sujeito emancipado e revolucionário.

No entanto, na mesa “Novo Ordenamento Mundial”, uma polêmica foi levantada pelo belga Éric Toussaint, do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM). Para ele, além de a crise não ter fragilizado o poderio estadunidense, ele está sendo reforçado por atitudes imperialistas dos países do chamado Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). “Podemos afirmar que o modo como o Brasil está presente na Bolívia, no Peru, no Equador, é um tipo de imperialismo periférico, a reprodução da logica imperialista em escala regional”.

Taoufik Ben Abdallah, do Enda Tiers Monde do Senegal, discordou, afirmando que, se se considera imperialismo como “a confiscação do potencial e do futuro dos povos em favor de uma potência por dominação econômica, política ou militar”, os países do Bric não podem ser chamados de imperialistas.

Democratizar a economia

Polêmica à parte, um consenso entre os participantes do seminário “FSM dez anos depois” é que qualquer democratização do poder político só é possível de ser alcançado com a democratização do poder econômico.

“É triste ver que mesmo em países onde as instituições democráticas funcionam bem, a desigualdade social vem aumentando. A fonte dessa realidade reside na concentração do poder econômico”, alertou, durante a mesa “Organização do Estado e do Poder Político”, Nancy Neamtan, da organização Chantier de l'Economie Sociale, do Canadá, para quem o caminho para o socialismo deve vincular o exercício do poder político com o exercício do econômico. Para ela, a economia solidária seria uma das formas de se alcançar esse objetivo.

Na mesma mesa, João Pedro Stedile, da coordenação do MST, explicou que, a partir dos anos 1990, o Estado burguês – que, embora controlado pelos proprietários dos meios de produção, possibilitava avanços à classe trabalhadora em termos de direitos – foi “sequestrado” pelo capitalismo financeiro e pelas transnacionais. “O Estado mudou de características, não é mais um Estado republicano”, disse. Para ele, hoje, o Estado é o principal instrumento de acumulação de capital, através do pagamento de juros da dívida pública para bancos e empresas. “Ou seja, o voto não vale nada”. Como exemplo desse argumento, ele cita os bancos centrais de todo o mundo, que têm mais poder que o próprio poder político de cada país. “Ou seja, se há uma coisa que devemos reivindicar é eleger o presidente dos BCs. E estatizar todo o sistema financeiro”. (Com informações do blog do Seminário Dez Anos Depois)

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