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O Inferno na Casa de Custódia

O advogado Sergio Salomão Shecaira, diretor do Conselho de Política Criminal e Penitenciária, acreditava, até recentemente, que a experiência acumulada tinha acostumado sua sensibilidade aos horrores das cadeias brasileiras. Estava errado. Após uma viagem ao Espírito Santo, entre os dias 16 e 17 de abril, em visita oficial à Casa de Custódia de Viana, na área metropolitana de Vitória, e aos contêineres transformados em presídios, na cidade de Serra, ele admitiu o engano.

"Todos nós chegamos à conclusão de que nunca havíamos visto tão alto grau de degradação. Poucas vezes na história seres humanos foram submetidos a tanto desrespeito", escreveu, no relatório enviado a seus superiores no Ministério da Justiça e, também, ao Conselho Nacional de Justiça.

Shecaira agiu a pedido de uma organização de direitos humanos, após olhar um conjunto de fotos com o registro de assassinatos de detentos na Casa de Custódia. É um retrato da barbaridade. Corpos estripados, cabeças decepadas e atiradas em latões de lixo. Restos humanos. O bom senso impede a publicação.

Ele também deixou registrado o comportamento das autoridades penitenciárias locais, que dedicam um solene desprezo aos detentos.

Do encontro com o secretário de Justiça, Ângelo Roncalli, observou: "(Ele) começou a insinuar que tínhamos motivação política e que não estávamos do lado dele e sim do lado do "grupo de direitos humanos".

A seguir, um resumo do relatório de Shecaira sobre os presídios, na porta dos quais, por descaso, descuido ou ignorância, não se lê o célebre aviso gravado na entrada do Inferno de Dante: "Vocês que entram deixem toda a esperança".

- Não há luz elétrica. Não há chuveiros. A água é fornecida somente no fim do dia. O estado de higiene é de causar nojo. Colônias de moscas, mosquitos, insetos e ratos são visualizáveis por quaisquer visitantes.

- Nos últimos anos, há denúncias de vários corpos de presos esquartejados. Quando os corpos são achados - ou ao menos partes deles -, a administração reconhece as mortes. Quando não são encontrados, a administração afirma supor ter havido fuga.

- Chegamos à cidade de Serra, onde estão contêineres que o Estado chama de presídios. O local tem capacidade para 144 presos, mas tinha quase 400.

- Cada contêiner tinha cerca de 40 presos. O local é absolutamente insalubre. A temperatura, no verão, passa de 45 graus (...) Não há médico. Não há advogado. Não há defensoria. Não há privacidade alguma.

- Sob as celas encontramos um rio de esgoto. Na água preta e fétida encontravam-se insetos, larvas, roedores, garrafas de refrigerantes, restos de marmitas, restos de comida, sujeiras de todos os tipos. A profundidade daquele rio de fezes e dejetos chegava a 40 centímetros, aproximadamente. O cheiro era de causar náuseas.

Após tudo isso, Shecaira vislumbrou um único remédio: o pedido de intervenção federal no Espírito Santo. A casa veio abaixo. O ministro Tarso Genro o desautorizou publicamente e adotou o pragmatismo diante dos interesses políticos. Uma decisão nada republicana.

Por Mauricio Dias

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